quarta-feira, 9 de junho de 2010

Atraso nas obras da Copa favorece corrupção e encarece custos, alerta Transparência Brasil

Coordenador de projetos da ONG Transparência Brasil, especializada no combate à corrupção, Fabiano Angélico não acredita no patriotismo que muitas empresas ostentam principalmente em épocas de Copa do Mundo. Menos ainda quando estão em jogo milhões de reais, em concorrências para grandes obras públicas.

"Não há que ser ingênuo e achar que alguém está nesse jogo com patriotismo ou com ética e responsabilidade. Isso é conversa fiada. O que [os empresários] querem é ganhar mais dinheiro, e ponto. Vão aproveitar todo tipo de oportunidade para isso", afirma. 

Na entrevista a seguir, Fabiano Angélico fala dos riscos de corrupção nas obras da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016. Ele faz um alerta: atrasos em obras tendem a favorecer o suborno e a encarecer o custo final de projetos. Faltando quatro anos para o Mundial no Brasil, metade dos estádios ainda não tiveram suas reformas ou construções inciadas.

Bolada Preta - Vocês estão monitorando as obras da Copa do Mundo?
 

Fabiano Angélico - Lateralmente. As pessoas, às vezes, têm uma idéia de que o trabalho de monitoramento é algo trivial, mas não é.

Um projeto especificamente voltado para isso demanda pessoal, máquinas e o salário de quem o faz. Não é qualquer um que seria contratado para fazê-lo, porque demanda conhecimento específico. Teria que haver um projeto especificamente voltado para isso, com um financiamento, mas a Transparência Brasil não o tem. Contamos com um orçamento bastante reduzido e temos alguns projetos prioritários, que estão aí na nossa agenda há alguns anos. Não temos um acompanhamento sistemático e próximo desse assunto. Gostaríamos de ter um projeto específico pra isso, mas, infelizmente, não conseguimos recursos para tal.

Bolada Preta - Não é preocupante quando se tem projetos que envolvem 15, 30, 50 bilhões de reais investidos?

Fabiano Angélico - Evidentemente. É muitíssimo preocupante e ainda mais tendo em conta o histórico do controle social de verbas públicas do Brasil, ainda mais levando em conta que haverá muito dinheiro de prefeituras e governos estaduais, que são recursos porcamente monitorados.

A gente pode dizer que os recursos federais ainda têm algum tipo de controle. O risco de corrupção é um pouco menor, porque você tem o Tribunal de Contas da União, que faz um trabalho razoável, e a Controladoria-Geral da União, que é um organismo interno e que também monitora com atenção os recursos federais.

Já os Tribunais de Contas dos Estados são horríveis e tomados muitas vezes por ex-políticos ou em fim de carreira, de qualidade e hombridade duvidosas. Os controles internos das prefeituras e dos governos estaduais são péssimos. Por conta desse cenário, em tese, o risco é muito alto de haver dissídios.

Bolada Preta - O Maracanã (foto) foi reformado há alguns anos por R$ 400 milhões. Para a Copa de 2014, receberá mais 720 milhões de reais. Por que é tão cara a construção civil de grande porte no Brasil?

Fabiano Angélico - Porque os prestadores de serviços vão querer sempre aumentar o preço. É o lucro, o negócio deles. Isso do lado da iniciativa privada. Do lado do Estado, não há um controle adequado e um trabalho eficaz do poder público. A disputa desequilibra em favor dos empresários. Ou seja, o preço tende a ficar mais parecido com o que o empreiteiro quer do que seria razoável pagar.

Não há que ser ingênuo e achar que alguém está nesse jogo com patriotismo ou com ética e responsabilidade. Isso é conversa fiada. O que [os empresários] querem é ganhar mais dinheiro, e ponto. Vão aproveitar todo tipo de oportunidade para isso. Algumas, inclusive, apelam pra suborno e corrupção, pura e simples.


Bolada Preta - E o que houve com o Pan-Americano de 2007, no Rio de Janeiro, que o orçamento extrapolou em 800%?

Fabiano Angélico - Um dos grandes problemas do Pan foi a Matriz de Responsabilidades, definida em fevereiro de 2007, poucos meses antes do evento. Ela é fundamental, e funciona desse jeito: o governo federal vai fazer isso e isso, que vai custar “X”. O governo estadual vai fazer isso, isso e isso e vai custar “Y”. A iniciativa privada é responsável por essa parte e isso vai custar “Z”. Você tem um planejamento bastante detalhado. Ele deve ser feito anos antes dos grandes eventos.

No Pan, isso não ocorreu. Fez-se muita coisa sem licitação e, com isso, a corrupção cresceu absurdamente. Também teve muitos casos já detectados e analisados pelo TCU. Eu me lembro especificamente de um envolvendo ar-condicionado para os quartos da Vila Olímpica, que o processo aparentemente foi correto, o preço estava dentro dos níveis de mercado, só que o governo pagou, sei lá, 100 mil aparelhos e recebeu 500. Houve aí um desvio, um erro ou algo do tipo.

Bolada Preta - Das obras para a Copa do Mundo, só metade iniciaram as obras de reformas de estádio, e muito precariamente. Quanto mais em cima a obra se inicia, mas cara ela vai ficar. Por quê?

Fabiano Angélico - Porque alguns mecanismos são demorados e, por mais que a gente queira que a coisa aconteça rápido, tem que ter mesmo algum tempo para analisar, porque quanto mais detalhadamente você analisa, mais você consegue evitar excessos. Esse é o ponto. Se você planeja uma aquisição e olha com detalhe para toda a documentação das empresas, vai se evitando erros.

Um exemplo qualquer: numa concorrência, todas as empresas concorrentes colocaram que o quilo do cimento vai ser 100, mas ele está 600 no mercado. Tem que ver isso aí. Então, quanto mais detalhadamente se analisa o processo, melhor é para a economia e os cofres públicos.

Agora, quando se faz a coisa muito rapidamente, começa-se a acelerar e aprovar as coisas. Digo novamente: a gente tem que perder a ingenuidade. A empresa corrupta, e muitas são, inclui o valor do suborno no preço final. Assim, se a coisa está indo rápido, pode-se subornar alguém para dar uma licença ambiental o quanto antes e botar esse custo no preço final. No final, nós pagamos a conta. Daí essa preocupação em fazer um planejamento adequado, com bastante tempo, para que possa haver tempo hábil de analisar nitidamente todos os processos.

Clique na imagem abaixo e assista a reportagem de Bolada Preta sobre as obras de infraestrutura para a Copa e a Olimpíada no Brasil:

1 comentários:

Anônimo disse...

Nossa, esse blog é muito dez.

11 de junho de 2010 às 09:55

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